segunda-feira, 30 de agosto de 2010
André Lira
Manhã
Janelas explodem ao toque da brisa
Da manhã que chega repentinamente
Abrindo caminho sem olhar onde pisa
Fazendo fugir a escuridão displicente.
O orvalho da noite que se foi depressa
Se joga ao chão como o pranto incontido
Molhando a terra como quem regressa
Após o sono de um dia recém nascido.
A natureza sintoniza-se com a música matutina
Dos pássaros que entoam odes em sibilos
Evocando a vida que renasce e se descortina
Em formas e cores nos campos e silos.
O alvorecer chega sempre tempestuoso
Sem poupar a escuridão que reluta em fugir
Para dar lugar ao dia que caminha majestoso
Derrotando as trevas sem um golpe desferir.
.
Sander Brawen
O AMOR É UMA ILUSÃO
Você não sabe quem é você
Você não sabe quem eu sou
No mundo das formas, sei quem é você
No mundo das formas, sei quem sou eu
Quem acho quem eu sou, não sabe quem é você
Você não me ama, porque também não sabe o que é o amor
O amor só existe no mundo das formas
O amor é uma ilusão
No mundo das idéias só existe a unidade
E o amor necessita de pluralidade
No mundo das formas, só as sensações
Existe apenas quem você acha que é
Você não me ama
Apenas, seu corpo se apega aos prazeres que o meu corpo produz
Apenas, apegos e sensações
O amor é a sombra da consciência de unidade
A sombra do amor é a ilusão
O amor é uma ilusão.
.
Jeanne Araújo
JURAMENTOS
Um dia meu pai disse:
- Espera que eu volto
pra consolidar o nosso amor.
E minha mãe envolveu-se
em delicadas nuvens de espera.
Como flor, lírio, crisântemo,
tricotando o mesmo casaquinho
que um dia deixou sem terminar
foi se fazendo bonita e extensa.
O olho na janela,
na esquina da rua,
na carta interminável,
a espera caduca.
Mãe, você foi abençoada.
Eu?
Eu não acredito em juramentos.
.
Um dia meu pai disse:
- Espera que eu volto
pra consolidar o nosso amor.
E minha mãe envolveu-se
em delicadas nuvens de espera.
Como flor, lírio, crisântemo,
tricotando o mesmo casaquinho
que um dia deixou sem terminar
foi se fazendo bonita e extensa.
O olho na janela,
na esquina da rua,
na carta interminável,
a espera caduca.
Mãe, você foi abençoada.
Eu?
Eu não acredito em juramentos.
.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Jairo Lima
No bar
Chegaste a mim não como lume
Mas como Pergunta exposta na toalha sobre a mesa
E com olhos irônicos fitaste o Vazio dos meus olhos
E nos meus olhos te atiraste como um predador na rota de sua presa
Na boca um sorriso zombava de futuros e certezas
E eu te vi.
Te vi como se vê mares e dunas
Como coisas que são sem oráculos nem seitas
Que não se anunciam, nem aguardam, nem ficam, nem se vão:
Ali estavas de pé em frente aos panos da noite
E parecia que contigo aquela noite estava feita
Te vi coxas, riso, ombros e mãos
Perdidos entre afago e maldição
Enquanto o sol ainda se esconde tua mão me marca a pele e impõe fronteiras de posse
Num corpo que já não é mais o meu e se entrelaça no teu e se contorce
Os lábios se encontram e vão em busca dos vapores quentes da alma
Se colam, se penetram, se invadem;
Não são asas de pássaros, são patas de cavalo
Destruindo colheitas
Aquela noite só prometia suores
Conquistados a cada beijo
Os latifúndios do desejo
Eram cada vez maiores
(-----------)
Vim de longe
Em hora incerta
Vim de lunas
Vim de céus perfurados de estrelas
Vim de amores submersos em dores e desfeitas
Para que celebrasses a consagração bizarra
Que faz a carne virar pão
O sangue virar vinho
E a cama virar mesa
Onde a fome dispõe as suas facas
Para cortar as carnes e sugar a seiva
(-----------------)
.
Flávio Minno
A pedra
O patriarca trouxe de Ur o conhecimento,
procurou a melhor massa e a melhor pedra,
e chamou o mais velho ferreiro do clã:
a bela pedra, a jóia bruta do homem
consumar-se-á sob o fogo da metalurgia,
no círculo da eterna reconstrução,
até a perfeição em variadas teurgias.
E o fogo vitorioso na fornalha não cessa
e a pedra fica cada vez mais acendida,
sem pressa o dragão devora a própria cauda
e todo o curso do tempo assim recomeça.
.
O patriarca trouxe de Ur o conhecimento,
procurou a melhor massa e a melhor pedra,
e chamou o mais velho ferreiro do clã:
a bela pedra, a jóia bruta do homem
consumar-se-á sob o fogo da metalurgia,
no círculo da eterna reconstrução,
até a perfeição em variadas teurgias.
E o fogo vitorioso na fornalha não cessa
e a pedra fica cada vez mais acendida,
sem pressa o dragão devora a própria cauda
e todo o curso do tempo assim recomeça.
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segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Delmo Montenegro
Imprimatur
João Crisóstomo, livreiro da Arcádia
para vender este livro
faz-se necessário entender
que minha fala não é partidária da literatura portuguesa
minha fala é Holanda restaurada
Mauristaad cerebral, rosa de ditirambos
signo árcade corrosivo
abscesso da noite cancerígena do homem
para entender a composição deste tratado
releia as chagas recifenses
a prosódia oficial das lojas quiméricas
refaremos a escritura destas ilhas adâmicas
através do sol pentecostal dos vícios
das lojas abertas do crime
serão novos dias inscritos por nós contra o sol da tradição
contra as assembléias lexicais
porém não espere por lucros ou honras acadêmicas
João Crissóstomo, livreiro da Arcádia
para vender este livro
tua vida desfalecerá na imprensa da Infâmia
conhecerás o ódio das polícias políticas
João Crisóstomo, livreiro da Arcádia
imprima os pavores desta nova Prosopopéia
que a Musa Cívia cante uma vez mais
a Comédia Pernambucana
.
João Crisóstomo, livreiro da Arcádia
para vender este livro
faz-se necessário entender
que minha fala não é partidária da literatura portuguesa
minha fala é Holanda restaurada
Mauristaad cerebral, rosa de ditirambos
signo árcade corrosivo
abscesso da noite cancerígena do homem
para entender a composição deste tratado
releia as chagas recifenses
a prosódia oficial das lojas quiméricas
refaremos a escritura destas ilhas adâmicas
através do sol pentecostal dos vícios
das lojas abertas do crime
serão novos dias inscritos por nós contra o sol da tradição
contra as assembléias lexicais
porém não espere por lucros ou honras acadêmicas
João Crissóstomo, livreiro da Arcádia
para vender este livro
tua vida desfalecerá na imprensa da Infâmia
conhecerás o ódio das polícias políticas
João Crisóstomo, livreiro da Arcádia
imprima os pavores desta nova Prosopopéia
que a Musa Cívia cante uma vez mais
a Comédia Pernambucana
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domingo, 8 de agosto de 2010
Gustavo Pedrosa
Poema em destruída gestação
Poesia esmagada por mãos
Aflitas, instigadas pelo álcool
Corrediço de portas sem trancas
Lançada em guardanapo
Sobre um chão duro de paralelepípedo
Poesia escrachada pela verve pietrowagneriana
A hora de arriscar talvez merecesse mais belos versos
Rebuscadas palavras
Um pouco mais de classicismo
Os versos agora rotos, encharcados pela chuva da madrugada
Levados pela água que lavou a rua
E levou os bêbados junto
Os versos do que fora um poema de um sábado fora de hora
De solidão equivocada na cidade natal
São lembranças pálidas de um mente cansada
Do homem que as mulheres procuram,
O companheiro, o amante, o não perfeito,
O não príncipe, o íntegro
Que abre os seus ouvidos e usa a sua mente
Para processar o que escuta
E amadurecer.
.
Poesia esmagada por mãos
Aflitas, instigadas pelo álcool
Corrediço de portas sem trancas
Lançada em guardanapo
Sobre um chão duro de paralelepípedo
Poesia escrachada pela verve pietrowagneriana
A hora de arriscar talvez merecesse mais belos versos
Rebuscadas palavras
Um pouco mais de classicismo
Os versos agora rotos, encharcados pela chuva da madrugada
Levados pela água que lavou a rua
E levou os bêbados junto
Os versos do que fora um poema de um sábado fora de hora
De solidão equivocada na cidade natal
São lembranças pálidas de um mente cansada
Do homem que as mulheres procuram,
O companheiro, o amante, o não perfeito,
O não príncipe, o íntegro
Que abre os seus ouvidos e usa a sua mente
Para processar o que escuta
E amadurecer.
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