sábado, 31 de julho de 2010

Fernando Figuerôa

                         Oficina literária aos desavisados poéticos




Da literatura já se falou tudo

De mim ninguém falou absolutamente persona grata

Apesar de poeta, cantor lírico e halterofilista

Na casa das polaicas imortais urinei nas letras e nos prêmios

Em latrinas de prata, riscando assim meu nome na espera das ressurreições editoriais.



No zimbório pós-moderno vivo em banho Maria na panela ardente da (de) pressão

Não tenho ao lado um amigo Antônio no piano de cauda de pavão

Nem Carlos o gauche na vila de ferro com seus bois da memória

Antologias em tempos de secas e jias pós-graduação do sertão

Na porteira tenho um amigo com uma sede de leopardo

Lascívia vida leonardiana num percurso absurdo

Com J.C. Marçal

O que se extrai do mar literário além do sal dos rascunhos

E dos frêmitos das vacas sagradas das palavras cruzadas

Apanhadas nos secretos gestos onomásticos das amadas.



Tardes e noites poéticas

Escrever poesias em conchas acústicas

Quem as lerá?

Os desavisados vanguardistas de passagem por Passargada

Na reengenharia da vagabundagem – os versos atilhados na fealdade

Em enálages de ruas onde estão proibidos de estacionar.



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domingo, 25 de julho de 2010

Leonardo Neves

           AQUI



nesta cidade raquítica,

                          de gente maleva,

                                            de bandidos atormentados;

nesta cidade enferrujada no mundo,

                     como um imenso velho cadeado fechado;

entre povos de voz alambicada

                          e mulheres de ventres cansados de parir;

entre sertanejos de fraques e cachecóis;

                     OUÇO:

                                   ainda bem,

ainda,

           o delicioso aboio do sexo,

                       em automóveis aerodinâmicos,

em viadutos;

                 o ranger suado e cru,

                                      em boates caras,

                  em hotéis de duas horas (ou de pernoite)...

Oh, local notável!

                  Oh, esplêndido local!

                                     Inexprimível consciência

(a minha),

                         sob um sol inabitável,

a cantar versos à capela,

                         sobre a solidão das pontes.



Cidade raquítica,

              hei de conhecer o pecado de tuas mulheres todas,

de me intoxicar no teu léxico em dias transtornados,

enquanto haverá os tristes pelos mortos

                                        de vida Severina.


E à noite,

              quando a lua bizarra for apenas o resíduo das luzes,

e os últimos bacuraus arrastarem suas tripulações bestiais

                                                              aos Infernos,

darei passeios esguios em teu pasto,

                     saberei da calma à marga calma,

viverei de festas opulentas,

                      e um dia morrerei,

                                                   aqui,

                                        como um samurai.

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eduardo Cordeiro

    Ode a Edo




Precisa-se da dor...

A trôpegos passos sinto o grito,

a mesmice opaca

                          de bons bêbedos.



De bardos e bêbedos

não espero!

As marquises estão encharcadas

                         Ainda o salto.



Não à eternidade sedenta,

sobraram

            gotículas da bela dama

                                            no copo

                                            no vaso

                                            na dor.


Então...


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Jairo Lima

              Grande hotel




Pequeno, limpo, acanhado,

Empurra, com relutância, o vento de suas esquinas

E ali se posta, calado

Não reparei se consegue espiar o mar;

Acho que não;

Não o vi, saudoso, como quem avista navios

Nem assombrado como quem se ofusca

No espelho branco do chão

Antes o vejo como menino ingênuo e pacato

Ou como velho e doce professor aposentado

A pastorar a decadência sem fim das horas de torpor

Que escorrem pelos becos escaldantes

Triturando os ossos da tarde e bebendo o seu suor.

Os seus corredores, no entanto, espantam

De tão jovens e caiados

Ali não se ouvem vozes,

Não ressoam passos e nem se lembra a dor

Das cortinas queimadas na explosão

Diária do sol

Vai chamar Humphrey Bogart, menino,

Aquele ali, de costas, em frente à porta

Do elevador.

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sábado, 10 de julho de 2010

Gustavo Pedrosa

         Mulher


Por que não me dizes logo não?

Como uma mãe a um filho mal criado



Ou me põe em teu colo

E faz cafuné para que durma?



Assim me pouparias desta espera angustiante

Deste silêncio inquietante

Dessas rimas sufocantes.



Mande-me rezar o Pai Nosso

Dê-me um beijo na testa

E com um riso doce

Chame-me de filho

E renegue-me.



Renegue-me com todo despudor possível

Arranque o véu do rosto

E renegue-me antes de calar.



Chame-me de tolo

Erga a mão à meia altura

E balance-a



Mostre aquele semblante triste

Característico das despedidas

E enlace-se com outro



E chame-o de tolo

Dias depois...


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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Flávio Minno

     Poema para os senhores Neves e Marçal




De manhã tomo meus remédios com um cappuccino

e começo refém do roteiro tragicômico do dia,

com seus obstáculos reais e muitos ainda imaginários.

E se assim começa o dia, como não preferir a noite?



Os senhores poderão atribuir à preguiça

o fato de eu não conseguir encarar o Ulisses,

mas é que neste plano é-me mais prazeroso

o onírico, o notívago fardo Finnegans Wake.



Em Ulisses, para mim, os labirintos sombrios,

o espanto, como meu espanto matinal cotidiano,

eu sei que Ilegível e absurdo é mesmo meu dia.



Porém há no outro um espelho menos denso,

talvez como este poema, demais extenso,

que, desnecessário, fala tanto para dizer tão pouco.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Flávio Minno

          O cerzidor




Eu cerzi minha memória e minha fome,

minha alma de intenções e descobrimentos,

e por vezes caí cheirando frutos,

podei a videira, lavrei a terra úmida,

ocre, plena de seiva. E fiz por minha dor;

eu cerzi minha memória e minha fama.

E não seria tarde se eu acolhesse

em minhas mãos um simples pomo

e se eu comungasse com o vento

em seu ater-se e seu soprar de rogo fácil,

colheria uma cura para alma enfermiça.



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