segunda-feira, 30 de agosto de 2010

André Lira

                 
                  Manhã


Janelas explodem ao toque da brisa

Da manhã que chega repentinamente

Abrindo caminho sem olhar onde pisa

Fazendo fugir a escuridão displicente.



O orvalho da noite que se foi depressa

Se joga ao chão como o pranto incontido

Molhando a terra como quem regressa

Após o sono de um dia recém nascido.



A natureza sintoniza-se com a música matutina

Dos pássaros que entoam odes em sibilos

Evocando a vida que renasce e se descortina

Em formas e cores nos campos e silos.



O alvorecer chega sempre tempestuoso

Sem poupar a escuridão que reluta em fugir

Para dar lugar ao dia que caminha majestoso

Derrotando as trevas sem um golpe desferir.

 
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Sander Brawen

        
         O AMOR É UMA ILUSÃO



Você não sabe quem é você

Você não sabe quem eu sou

No mundo das formas, sei quem é você

No mundo das formas, sei quem sou eu

Quem acho quem eu sou, não sabe quem é você

Você não me ama, porque também não sabe o que é o amor

O amor só existe no mundo das formas

O amor é uma ilusão

No mundo das idéias só existe a unidade

E o amor necessita de pluralidade

No mundo das formas, só as sensações

Existe apenas quem você acha que é

Você não me ama

Apenas, seu corpo se apega aos prazeres que o meu corpo produz

Apenas, apegos e sensações

O amor é a sombra da consciência de unidade

A sombra do amor é a ilusão

O amor é uma ilusão.

.

Jeanne Araújo

          JURAMENTOS



Um dia meu pai disse:

- Espera que eu volto

pra consolidar o nosso amor.

E minha mãe envolveu-se

em delicadas nuvens de espera.

Como flor, lírio, crisântemo,

tricotando o mesmo casaquinho

que um dia deixou sem terminar

foi se fazendo bonita e extensa.

O olho na janela,

na esquina da rua,

na carta interminável,

a espera caduca.



Mãe, você foi abençoada.

Eu?


Eu não acredito em juramentos.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Jairo Lima

            
           No bar



Chegaste a mim não como lume

Mas como Pergunta exposta na toalha sobre a mesa

E com olhos irônicos fitaste o Vazio dos meus olhos

E nos meus olhos te atiraste como um predador na rota de sua presa



Na boca um sorriso zombava de futuros e certezas



E eu te vi.

Te vi como se vê mares e dunas

Como coisas que são sem oráculos nem seitas

Que não se anunciam, nem aguardam, nem ficam, nem se vão:

Ali estavas de pé em frente aos panos da noite

E parecia que contigo aquela noite estava feita



Te vi coxas, riso, ombros e mãos

Perdidos entre afago e maldição



Enquanto o sol ainda se esconde tua mão me marca a pele e impõe fronteiras de posse

Num corpo que já não é mais o meu e se entrelaça no teu e se contorce



Os lábios se encontram e vão em busca dos vapores quentes da alma

Se colam, se penetram, se invadem;

Não são asas de pássaros, são patas de cavalo

Destruindo colheitas



Aquela noite só prometia suores

Conquistados a cada beijo

Os latifúndios do desejo

Eram cada vez maiores



(-----------)



Vim de longe

Em hora incerta

Vim de lunas

Vim de céus perfurados de estrelas

Vim de amores submersos em dores e desfeitas

Para que celebrasses a consagração bizarra

Que faz a carne virar pão

O sangue virar vinho

E a cama virar mesa

Onde a fome dispõe as suas facas

Para cortar as carnes e sugar a seiva



(-----------------)

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Flávio Minno

              A pedra




O patriarca trouxe de Ur o conhecimento,

procurou a melhor massa e a melhor pedra,

e chamou o mais velho ferreiro do clã:

a bela pedra, a jóia bruta do homem

consumar-se-á sob o fogo da metalurgia,

no círculo da eterna reconstrução,

até a perfeição em variadas teurgias.

E o fogo vitorioso na fornalha não cessa

e a pedra fica cada vez mais acendida,

sem pressa o dragão devora a própria cauda

e todo o curso do tempo assim recomeça.



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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Delmo Montenegro

                   Imprimatur


João Crisóstomo, livreiro da Arcádia

               para vender este livro

                       faz-se necessário entender

   que minha fala não é partidária da literatura portuguesa

                      minha fala é Holanda restaurada

Mauristaad cerebral, rosa de ditirambos

             signo árcade corrosivo

                     abscesso da noite cancerígena do homem

para entender a composição deste tratado

                         releia as chagas recifenses

                           a prosódia oficial das lojas quiméricas

refaremos a escritura destas ilhas adâmicas

               através do sol pentecostal dos vícios

                   das lojas abertas do crime

    serão novos dias inscritos por nós contra o sol da tradição

contra as assembléias lexicais

             porém não espere por lucros ou honras acadêmicas

João Crissóstomo, livreiro da Arcádia

            para vender este livro

                tua vida desfalecerá na imprensa da Infâmia

conhecerás o ódio das polícias políticas

                João Crisóstomo, livreiro da Arcádia

imprima os pavores desta nova Prosopopéia

          que a Musa Cívia cante uma vez mais

                     a Comédia Pernambucana



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domingo, 8 de agosto de 2010

Gustavo Pedrosa

       Poema em destruída gestação




Poesia esmagada por mãos

Aflitas, instigadas pelo álcool

Corrediço de portas sem trancas


Lançada em guardanapo

Sobre um chão duro de paralelepípedo

Poesia escrachada pela verve pietrowagneriana


A hora de arriscar talvez merecesse mais belos versos

Rebuscadas palavras

Um pouco mais de classicismo


Os versos agora rotos, encharcados pela chuva da madrugada

Levados pela água que lavou a rua

E levou os bêbados junto


Os versos do que fora um poema de um sábado fora de hora

De solidão equivocada na cidade natal

São lembranças pálidas de um mente cansada


Do homem que as mulheres procuram,

O companheiro, o amante, o não perfeito,

O não príncipe, o íntegro


Que abre os seus ouvidos e usa a sua mente

Para processar o que escuta

E amadurecer.




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sábado, 31 de julho de 2010

Fernando Figuerôa

                         Oficina literária aos desavisados poéticos




Da literatura já se falou tudo

De mim ninguém falou absolutamente persona grata

Apesar de poeta, cantor lírico e halterofilista

Na casa das polaicas imortais urinei nas letras e nos prêmios

Em latrinas de prata, riscando assim meu nome na espera das ressurreições editoriais.



No zimbório pós-moderno vivo em banho Maria na panela ardente da (de) pressão

Não tenho ao lado um amigo Antônio no piano de cauda de pavão

Nem Carlos o gauche na vila de ferro com seus bois da memória

Antologias em tempos de secas e jias pós-graduação do sertão

Na porteira tenho um amigo com uma sede de leopardo

Lascívia vida leonardiana num percurso absurdo

Com J.C. Marçal

O que se extrai do mar literário além do sal dos rascunhos

E dos frêmitos das vacas sagradas das palavras cruzadas

Apanhadas nos secretos gestos onomásticos das amadas.



Tardes e noites poéticas

Escrever poesias em conchas acústicas

Quem as lerá?

Os desavisados vanguardistas de passagem por Passargada

Na reengenharia da vagabundagem – os versos atilhados na fealdade

Em enálages de ruas onde estão proibidos de estacionar.



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domingo, 25 de julho de 2010

Leonardo Neves

           AQUI



nesta cidade raquítica,

                          de gente maleva,

                                            de bandidos atormentados;

nesta cidade enferrujada no mundo,

                     como um imenso velho cadeado fechado;

entre povos de voz alambicada

                          e mulheres de ventres cansados de parir;

entre sertanejos de fraques e cachecóis;

                     OUÇO:

                                   ainda bem,

ainda,

           o delicioso aboio do sexo,

                       em automóveis aerodinâmicos,

em viadutos;

                 o ranger suado e cru,

                                      em boates caras,

                  em hotéis de duas horas (ou de pernoite)...

Oh, local notável!

                  Oh, esplêndido local!

                                     Inexprimível consciência

(a minha),

                         sob um sol inabitável,

a cantar versos à capela,

                         sobre a solidão das pontes.



Cidade raquítica,

              hei de conhecer o pecado de tuas mulheres todas,

de me intoxicar no teu léxico em dias transtornados,

enquanto haverá os tristes pelos mortos

                                        de vida Severina.


E à noite,

              quando a lua bizarra for apenas o resíduo das luzes,

e os últimos bacuraus arrastarem suas tripulações bestiais

                                                              aos Infernos,

darei passeios esguios em teu pasto,

                     saberei da calma à marga calma,

viverei de festas opulentas,

                      e um dia morrerei,

                                                   aqui,

                                        como um samurai.

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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eduardo Cordeiro

    Ode a Edo




Precisa-se da dor...

A trôpegos passos sinto o grito,

a mesmice opaca

                          de bons bêbedos.



De bardos e bêbedos

não espero!

As marquises estão encharcadas

                         Ainda o salto.



Não à eternidade sedenta,

sobraram

            gotículas da bela dama

                                            no copo

                                            no vaso

                                            na dor.


Então...


.

Jairo Lima

              Grande hotel




Pequeno, limpo, acanhado,

Empurra, com relutância, o vento de suas esquinas

E ali se posta, calado

Não reparei se consegue espiar o mar;

Acho que não;

Não o vi, saudoso, como quem avista navios

Nem assombrado como quem se ofusca

No espelho branco do chão

Antes o vejo como menino ingênuo e pacato

Ou como velho e doce professor aposentado

A pastorar a decadência sem fim das horas de torpor

Que escorrem pelos becos escaldantes

Triturando os ossos da tarde e bebendo o seu suor.

Os seus corredores, no entanto, espantam

De tão jovens e caiados

Ali não se ouvem vozes,

Não ressoam passos e nem se lembra a dor

Das cortinas queimadas na explosão

Diária do sol

Vai chamar Humphrey Bogart, menino,

Aquele ali, de costas, em frente à porta

Do elevador.

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sábado, 10 de julho de 2010

Gustavo Pedrosa

         Mulher


Por que não me dizes logo não?

Como uma mãe a um filho mal criado



Ou me põe em teu colo

E faz cafuné para que durma?



Assim me pouparias desta espera angustiante

Deste silêncio inquietante

Dessas rimas sufocantes.



Mande-me rezar o Pai Nosso

Dê-me um beijo na testa

E com um riso doce

Chame-me de filho

E renegue-me.



Renegue-me com todo despudor possível

Arranque o véu do rosto

E renegue-me antes de calar.



Chame-me de tolo

Erga a mão à meia altura

E balance-a



Mostre aquele semblante triste

Característico das despedidas

E enlace-se com outro



E chame-o de tolo

Dias depois...


.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Flávio Minno

     Poema para os senhores Neves e Marçal




De manhã tomo meus remédios com um cappuccino

e começo refém do roteiro tragicômico do dia,

com seus obstáculos reais e muitos ainda imaginários.

E se assim começa o dia, como não preferir a noite?



Os senhores poderão atribuir à preguiça

o fato de eu não conseguir encarar o Ulisses,

mas é que neste plano é-me mais prazeroso

o onírico, o notívago fardo Finnegans Wake.



Em Ulisses, para mim, os labirintos sombrios,

o espanto, como meu espanto matinal cotidiano,

eu sei que Ilegível e absurdo é mesmo meu dia.



Porém há no outro um espelho menos denso,

talvez como este poema, demais extenso,

que, desnecessário, fala tanto para dizer tão pouco.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Flávio Minno

          O cerzidor




Eu cerzi minha memória e minha fome,

minha alma de intenções e descobrimentos,

e por vezes caí cheirando frutos,

podei a videira, lavrei a terra úmida,

ocre, plena de seiva. E fiz por minha dor;

eu cerzi minha memória e minha fama.

E não seria tarde se eu acolhesse

em minhas mãos um simples pomo

e se eu comungasse com o vento

em seu ater-se e seu soprar de rogo fácil,

colheria uma cura para alma enfermiça.



.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Leonardo Neves

Como pode o sol

Divertir com tanta luz

O dia

E este mar com cascalho, areia e espuma

Estas crianças

E homens em guarda-sóis

Com cervejas, peixes, crustáceos

Estas mulheres em biquínis e chapelões

Com tantos assuntos



Como pode o horizonte

Recebendo barcos e lanchas

Continuar a festa

E não fechar-se num círculo súbito

E os pélagos recalcitrarem suas ânsias

De ventania e tempestade



Como os pescadores

Coletando gordos bagres em seus molinetes

O esforço das raquetes nas esferas dos músculos

E ainda a tentativa de liberdade das pipas

O suor antigo dos ambulantes


Em sinal de insistência em continuar

Da vida



Era lua e eu lembro

Cheia

E o oceano tomara a praia com fúria

Arrastando coqueirais

Desfazendo diques

Destruindo casas



Tarde demais para ser verão

Ou mesmo inverno

Tarde demais para qualquer estação



O que era para ser amor buscava sua cura



Como

O sol nasceu quando tirei os olhos das lágrimas

Ou já estava lá?


.

Jairo Lima

            Rimbaud




era uma mulher sem nexo

mas com filhos

de olhos duros vidros

aspeados

por sobrancelhas de pó enegrecido



era um sol deslembrado de sombras

e de mundos amanhecidos

e eu dizia aos seus olhos pequenos e incompassivos

que rimbaud já foi rimbaud

e eu não precisava de pedras nem de vidraças

para escrever um livro

nem de tetas negras ou deserto infame

nem de calvários para purgar meu sangue

ali, naquela hora afastada

eu ouvia sorrindo o seu gemido

e lhe negava o verso que implorava

e, como o dia apaga da noite os vestígios,

eu esmagava, um a um, os acordes que conduziam a lembrança de suas dores

para o olvido



.

Eduardo Cordeiro

             Das-dores




Ó Ceará dos meus bordéis,

ainda vingam suas paixões

em braços alheios.



Ó Das-dores minha pequena puta

sem sombras e medos,

tão magra,

me abraça!




Nem magra

Nem mente

Nem morta

Nem nada




Ela passou (riu)

me lambeu de morte,

e eu nem me vinguei.

Narcizo Bandeira Jr.

             Conclusão de uma história




Complicado? Sim, seria, se os fatos não juntassem.

Pense: desde o primeiro dia, quisestes mais que beijos e abraços.

Como um tolo, não percebia teu ardente e voraz desejo.

Embalado na folia, em roubar-te um simples beijo.

Muito tempo então se passou e o acaso se fez fato.

Você mostrou-me sua verdade, deixando-me então viril e animado.

Sem mais delongas procurei concluir nosso passado.

Loucura foi tamanha a ponto de extrapolarmos,

No vai e vem da melodia, naquele ritmo embalados.

Fato bom, a ambos prazeroso, nem por um momento um pensamento maldoso.

Por certo uma grande aventura, causando-nos excelso gozo.

Delírios de prazer, ardentes como labaredas e suas chamas.

Nem a dor nos fez parar, pois a vontade era gritante e nem a dor a acompanha.

Concluímos um antigo desejo, exaustos sobre aquela cama.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Eduardo Cordeiro

         Enfant Terrible



a cada instante incitava-me

a mostrar minha insônia.

sem saber, queres sentir

o real serviço de teus braços

e seguras impávida

na minha pouca raiva...

no meu pouco desejo...

no meu pouco copo:

do largo prazer do vinho.

a cada hora acorde-me

para as satisfações

que teimo em largar

e perde-te na calma

sem saber que o medo

não é menos cruel que a coragem.

coragem de imensas

                           alegrias,

imersas em felicidades de tempos calmos

que teus olhos entreabrem-se

sem saber dos meus sonhos

                          que não são

                                        muitos.



.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Klycia Mafra

        ABRIL

Abril é a idade da inocência,
 da alegria, da juventude
 é a primavera da vida

abril é mês triste
frio de morte e despedidas
com pétalas negras de sangue

abril mês que nunca se esconde
dias que não se acabam
em horas de escuridão

 abril levou meus sonhos
cobriu meus sentimentos
em minutos de espera

 abril levou meu março
 mês de honra e de Marte
deus da guerra dos antigos

abril nem tem estrelas
não tem nuvens, nem lua
nem o sol se levanta
para aquecer abril

Estou a 30 dias em um buraco
 perdendo meu corpo
e fugindo da minha alma

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jairo Lima

          Eis, em tua alma



eis, em tua alma, a resina dos cedros

daqueles que se abeiram dos rios

e bebem, na esponja da terra, as suas águas vivas



eis o teu legado:

o teu sozinho

e este medo arrumado com cuidado nos vãos dos teus pulmões

e nas caves soterradas dos teus vinhos



eis, no rumorejar do teu sangue,

um silêncio que desliza vazio;

no espelho deste silêncio uma nave extremada a procura de ventos



eis o teu nome posto entre duas madrugadas

hóstia vermelha consagrada

aos mortíferos venenos



que em tu alma

crescem e se espedaçam

entre zunidos



de lentos sóis de prata

quentes, vivos e macios

introduzindo suas vozes em brasa na névoa do teu estio

Leonardo Neves

                                 Crônica do Sertão

No ermo. No sertão há três semanas. Não, não tão ermo assim. Há três anos talvez, na minha última visita. Hoje, com as obras de transposição do rio, chegou a força da grana erguendo e destruindo coisas belas. Gente de diversas regiões trazem a diversidade e a cidade ganha sinais de trânsito e trânsito. O matuto coloca as cadeiras nas calçadas no final do dia, com mesas, freezer e churrasqueira e em toda parte surge um ponto de comércio. As matutas não se deslumbram com os estranhos na cidade, já que são tantos. O sertanejo daqui, em geral, de astuto vai se tornando crítico. Um cabra veio do sudeste onde aprendeu a fazer pizzas com qualidade e aí você já pode comer uma com a massa bem fininha, azeite extra-virgem, ervas frescas, autentico molho de tomate e (aí entra a sofisticada cor local) uma tonelada dos ingredientes correlatos aos seus sabores porque o povo aqui só gosta de comida que fabrique muita merda. O preço ainda está tão módico que todo dia aumenta um pouquinho.

É o cosmopolitismo começando sua Babel.

Estou bem estabelecido. Em solitude e não solidão, com carro, alojamento e triplicando minha remuneração com diárias com as quais tento amenizar as dívidas. É: sou brasileiro mandingueiro/estou aqui pelo dinheiro. Cumprindo minha função de alter-ego de escritor como funcionário público.

Outro dia cometi a aventura de subir até um cruzeiro que tem por trás do departamento; aquele tipo de cisma que a gente toma talvez por um pouco de tédio, exatamente quando devia ficar quietinho até o tédio passar. Fui lá, em pleno pino do sol a pino do sertão às onze da manhã que eu é que não era maluco de acordar de madrugada pra fazer rapel em escadaria. Obviamente não havia vivalma no percurso e se houvesse seria algum maluco saído do filme A Bruxa de Blair. Não lembro de ter me sentido tão cansado em toda minha vida. Dizem que a turma sobe esta montanha pra transar ou fumar maconha. Eu digo que a escalada só serve mesmo pra pagar aquelas promessas bem impossíveis porque por tesão ou vício qualquer um brocha ou entra pros narcóticos anônimos. Bom, mas ali sim, era ermo. Ali o cheiro do vento era morno e pleno de aromas como o era o cheiro do vento da minha infância na casa da minha avó, no agreste. Lá de cima, de um lado, víamos a pólis em expansão; do outro o mundo vasto mundo, lindo, sem rima, sem Raimundo e sem solução. A água da minha garrafinha estava morna e as mutucas queriam esmiuçar minhas narinas e meus ouvidos de modo que nem todo idílio é perfeito. Não havia uma fonte, um copo, uma frase; é assim o ermo do sertão em sua demência árida, anti-poética.

Mas agora e aqui me sinto como quando eu era Antoine Roquetin em Mauville. Sento num restaurante climatizado, bebo conhaque Domecq e cervejas importadas, abro meu notebuque e, conectado à internet, volto a ser um escritor boçal.

E quando eu peço filé, vem filet.

domingo, 6 de junho de 2010

Pietro Wagner

          Requiem tardio para Fernandinho




não sei de onde te observam hoje

todos aqueles que como eu

faltaram em te ver antes do não

que és agora, e talvez ainda antes desse não

quando eras, mínimo, mas tu,

e não fomos te visitar, imprevidentes



ainda que me pergunte de que valeria tal visita

ainda que me impute uma certa

e falsa intransigência com minha falta

ou que me empenhe no lirismo egocêntrico

de te festejar em brindes

como uma forma de ajustar em mim a tua morte

ou antes a minha ausência

e ainda antes disso, o “não fui te ver’

com que me dei conta,

eu que não fui teu amigo no fim,

ainda assim,

acho que posso escrever este poema



ah, imprudente versejador dos bares,

eis o que te dou por lápide de uma amizade

eu que te assustei com minhas bravatas

que repudiei teus rotos versos

– e eles eram mesmo muito ruins –

agora lamento



o não ter ido, o não ter visto

o não ter estado, o não ter sido



requiem aeternam dona eis



a mim e a ti

Neide Travassos

                       O Vento Vivendo na Casa




vento e mar talharam-se no meu corpo

cessar tua estação em mim foi impossível



sorvi o sumo que sopra nos ares a maresia

roubando-te estrelas marinhas para emprestar à noite

siderada no teu céu sem vestes

fiz-me azul têmpora tronco e membro



colhi versos nos teus olhos pousados nos girassóis

violinos deitaram adágio sobre a terra de ti

casa de sementes imersas, lírio e orvalho

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Amor por Flávio Minno

Abriram as portas pesadas da casa sob o Vesúvio

e as estátuas dos casais abraçados ornavam o chão,

a nitidez das feições deixava entrever

que o amor não estava sob a ilusão do tempo,

mesmo nas inscrições sentimentais nas paredes

que o tempo decorrido não pôde fazer esquecer.



Em outro lugar, duas majestades egípcias,

sentadas, lada a lado, como se esperassem,

quase entrelaçam as mãos de pedra

num atalho complacente que vence a saudade

e cava a rocha rancorosa e inclemente.

Ó amor imaculado e sólido para a eternidade.



Tu és o filho do recurso, mas também da pobreza,

até os beirais sem fim, diz-me o que desejas?

O que os outros, à regra, acham ser impossível.

E és preservado para dentro das esculturas gregas,

numa jovem Dafne por um deus perseguida

ou uma Galatéia sendo amada num pedestal.



Que os arqueólogos possam descobrir o amor

guardado embaixo das ruínas, nos escombros

sob a mesa posta para a ceia que não deu tempo

ou sobre as artes, depositada a matéria da lembrança

nos submersos das antigas civilizações perdidas,

nas lendas, nas cartas destes vetustos amantes.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Réquiem para Fernandinho Figuerôa por Leonardo Neves

A gargalhada era um grito trincando o gelo das paredes sem portas


Sem janelas



O sono era uma galhofa para colocar mais escuridão na tão solitária noite

Das noitadas



Nunca o riso ou repouso

Pois mesmo se houvesse saída

Ainda

Permaneceria

No beco



Ainda

Permaneceria

No cais

Enquanto o navio partia

Com a biblioteca

Única

Bagagem



Ainda

Permaneceria

No bar do velho mercado

Perambulando nos sebos

Escondendo a verdade pelos cabarés



Ainda permaneceria

Até perder a consciência



Bastardo filho-de-uma-mãe

Quase virgem

Nunca imaginou os caminhos que teria de percorrer

Ou que o grande fela da puta

Terminaria por escrever um Requiem

Um maldito requiem



Para somente então

Sorrir

E dormir

Um sonho improvável por Narcizo Bandeira Jr.

Deste labor que é a vida, nada há de levar. Deixa-se os atos, e amigos a recordar.

Sendo boa ou ruim, uma história ficará. Vida única e cruel, professora dos errantes,

Rigorosa e improvável, como o mar aos aspirantes.

Mesmo triste este labor, nele tem-se um lazer, sonhar não é pecado, torna bonito tal viver.



Um sonho bem composto, é uma estória bem escrita, vejam só um grande sonho, o que tive em minha vida...

Vida simples e perfeita, excelência num viver, tal harmonia de sentimentos, a muito não se vê.

Que a maldade, a soberba, não existissem em ninguém, tal sonho é de outrora, e só num sonho que se tem.

Deus num todo é perfeito, porém os homens traiçoeiros, fazem o mal a seu irmão, muitas vezes por dinheiro.



Que os deixam por viver, nada mais que uma jornada, Jornada essa de mentiras, ilusões inacabadas.

Nesta vida de ardor, onde roubam meu viver, Sacrifico minha vida, tentando ao próximo entender.

Prefiro assim seguir, e não renegar ao mais complexo e profundo, e aos poucos entender, o desespero deste mundo.

Viver um sonho é complicado, são duas histórias a escrever, nelas leva-se duas formas de agir em seu viver.

O infinito é o limite para o teu sonho atracar, nem um tolo viveria uma vida, sem ter um sonho pra sonhar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A Nau dos Loucos por Flávio Minno

O jardim das delícias está outra vez aberto

ao balouçar do barco e ao cantar do aedo,

talvez rumando para Bizâncio em segredo

ou em busca da Lemúria chegar perto.



Cada árvore dá o fruto que é certo,

da nossa aqui brota a carne de animais

a ave já dourada do fogo da planta sai

sem que nenhum de nós mostre desconcerto.



O padre que integra a nossa tripulação

aesta o canto na tábua provida da proa

E para nós é bom o vinho e a vida muito boa.



O alaúde do aedo anima o ritmo da canção,

e todos nós, que somos heróis e vagabundos,

levaremos para frente a alegria do mundo.

dia de todos os dias por Pietro Wagner

(manhã

e tudo e a terra, nas horas nas pedras,

manhã

na mão o pouco de sol que o dia traz

manhã

e fora da casa um vento que leva

manhã

aos olhos que todos os dias saem)



levavas pela manhã, inteira braços,

o pássaro de plumas de mormaço

que teus olhos viam nos dias calmos

voando acima das nuvens de outubro



e com ele numa alegria branca

que em torno de ti respirava

folhas, tantas folhas, dançavam

que as casas encheram-se de olhos



e as portas deram caminho aos passos

e os passos foram a manhã da estrada

que sem cuidados recebia a sombra

das folhas, no dia em que todo o vento

soprava-te dálias pelo tempo



e em tudo havia um certo rumor ou euforia

como se as mãos, esquecidas dos templos,

levadas ao ar, que as aquecia,

espelhassem a lâmina de luz macia

que o sol fazia chegar à estrada

e a estrada ao dia

para que todas as casas e as vigas

olhassem, olhassem

a dança das folhas e do vento

para que todos os olhos

dançassem, dançassem

nas voltas e voltas que o vento fazia

e em torno de ti, numa alegria,

o branco e o dia saíam

a dizer pelo mundo

que uma parte terrestre do sol

fez aquela manhã com um fio do mármore estelar

que as alegrias levam quando amanhecem

a dizer pelo mundo

que tu, parte de sol, parte de vento,

sorriste ao dia

e ele devolveu-te um aceno

quando amanhece por Pietro Wagner

acordada pelo sol uma ave olha o dia aumentar as casas

as asas abrindo sombreia a pedra onde pousou o seu cansaço

pisa a pedra, olha o dia, contrai as garras,

e num abraço pássaro vê a terra despegar-se de seus passos



ave que é, leva nas asas a razão das nuvens

e o sentido da pedra nas garras

mas os olhos, os olhos os têm para que a terra

esteja azul abaixo, azul e esfera



não é mais que ave

mas esta ave vê a sombra do dia

cortar os vales e as vias

e, cheia de sol, vê os panos,

que a noite guardou na umidade,

embranquecer os varais



vê também o último frio fugir da noite

indo fazer acesos os fornos da manhã

para que se aqueça o pão e a mão que o consome



espera pelas janelas quando se abrem

porque abrem-se com elas sons e gente

espera pelas janelas para que delas voe

do último sono o primeiro perfume



e tudo vê a ave no seu vôo amanhecido

vê os sinos chamarem as orações

vê o dia estender os abraços

vê as mesas balançarem os pratos

vê, e quando vê, um sim imenso

diz que o dia vai com ela pelo espaço

I por Rogério Mendes

Intelectuais de neve

Covardes que brilham

E derretem diante do sol

Dos olhos de quem simplesmente ama



Assim, desama, desanda

O que não se intelectualiza

Porque desliza o que

Os sentidos não captam



Ingenuidade profana

Dos que pensam ser

Acima de tudo

O que gostariam que fosse

as águas psíquicas por Delmo Montenegro

não há nada de concreto aqui

nos espirais da fala

nada de cataclismos inoperantes

nada nesta massa dodecafônica

nesta casa de vespas

apenas uma combustão de signos sagitários

um vinho de abstração e letargia

entre sóis de espátulas e músculos decompostos

entre os sóis de algoritmos

eis a nova casa dissonante

o séqüito das chuvas polissêmicas sobre o corpo

as musculaturas dementes

a taquicardia nas camisas de esperança

nos mares adultos contidos nesta prisão



não há nada de concreto aqui

nas paredes angulosas desta representação

nada de cataclismos inoperantes

apenas a expiação dócil dos nervos

apenas este mel dos clavicórdios

esta fala de arritmias



esta flor fabricada

esta flor de maceração líquida

porém há algo

contudo há algo de inóspito nos frutos sonoros

na carne da tua derrisão

há algo na engenharia das peles fibráceas

os pequenos escândalos

as orquestras do azimute

as plurificações dos equinócios

as assinaturas volantes


as vespas incontidas na descarnação dos discursos




há algo na engenharia dos angiospermos



não há nada de concreto aqui

assim ensina a toxicologia das falas

assim ensina a educação inoperante dos cataclismos

os verbos dos heliantos

não há nada nesta massa sonante de sortilégios

a não ser a tauromaquia da servidão

a tauromaquia dos labirintos



o sol febril das cadências



a marcha ossiânica

o branco agônico da decantação lírica

o teatro das vespas



não há nada de concreto aqui

palavras que debutam por Gustavo Pedrosa

não se escrevem com letras maiúsculas

sejam frondosas ou finas¬ _

Nem prescindem de um olhar suspicaz




palavras que disputam

precisam deitar de borco

e consumar o coito anal

sem geléia ou confete



palavras putas

precisam ser proscritas e prescritas



apodrecer numa prisão purulenta

de páginas e traças parnasianas



palavras que debutam

são virgens e molhadinhas

de um viço semântico desmedido

O Revisitado por Eduardo Cordeiro

Eu sou belo, ó mortais!

Belo como uma flor maldita

que peca em resvalios.




Como o quebrar da noite

após um longo dorso.

És certo,

digo apenas;




Belo como a brancura

do silêncio dos covardes,

assim como dizem meus irmãos.




Belo como a mulher incorpórea

cujo corpo eu mentia

e me fazia rimar.

Poema Grego por Fernando Figuêroa

Difícil aprendizagem

Vida – curta disputa

Enquanto a morte em festejos

Vestida de trajes de sacanagens

Não vem nos visitar

Vamos arrendar um bar

E beber cicuta

Jogar pedras nas lâmpadas

Do Mito da Gruta



Agora no Ágora a água no bar

Despenca em líquido furta cor

Ou a cor que se furta

No programa da jovem puta

Que escreve nas ruas

Mas ninguém lê ou escuta



A virtude estava nos gregos e seus segredos

Que amavam a vida não seu apego

Porra nenhuma!!

São todos filhos do medo

Os gregos não estavam certos de viverem

Entre o vinho, os deuses e os perigos

Certo estou eu que rio, choro e bebo

Acompanhado maravilhosamente

Pelos amigos de degredo

Apologia das Garaffas por Leonardo Neves

O uísque me ilumina vida afora

Abre a estrada onde a sabedoria arde

E aflora o sentido da música e da poesia



A cerveja passa o tempo com calma

Torna possível a paisagem dos bares

Celebrando de amargo o doce enjoado dos lares



O conhaque é a glória

Goles de fogo na bojuda taça da virtude

Nos sagra cavalheiros



A vodka traz de volta Maiakowski

E sua receita para a morte

O vinho é o requinte da loucura

A cachaça o motivo das frutas



Um ou dois licores rebaterão o banquete

O Martini, o campari e o vermute enfeitarão o bar

Ou serão servidos na piscina em campanhas publicitárias



Depois da bebedeira os homens serão mais homens

E as mulheres taradas!



Eis minhas garrafas!

Comoção de minha vida!

A embarcação por Flávio Minno

Do mar paira a assombrosa manta,

mas não há mar que intimide este canto,

antes isto, Tifis, que um túmulo de terra

daqueles que nunca navegaram.



É preciso, para o mar alto,

de Argos, um denodado barco,

para a água imensa e desconhecida,

a esperança e a descoberta.



Assim, há de termos audácia

para irmos no encalço da essência,

navegar sempre será necessário,

e viver sempre conveniência.



Invoquemos todas as filosofias

para nosso longo passo ao porto,

hoje buscaremos, festejadores

da taça e também da ostraria.