sexta-feira, 25 de junho de 2010

Leonardo Neves

Como pode o sol

Divertir com tanta luz

O dia

E este mar com cascalho, areia e espuma

Estas crianças

E homens em guarda-sóis

Com cervejas, peixes, crustáceos

Estas mulheres em biquínis e chapelões

Com tantos assuntos



Como pode o horizonte

Recebendo barcos e lanchas

Continuar a festa

E não fechar-se num círculo súbito

E os pélagos recalcitrarem suas ânsias

De ventania e tempestade



Como os pescadores

Coletando gordos bagres em seus molinetes

O esforço das raquetes nas esferas dos músculos

E ainda a tentativa de liberdade das pipas

O suor antigo dos ambulantes


Em sinal de insistência em continuar

Da vida



Era lua e eu lembro

Cheia

E o oceano tomara a praia com fúria

Arrastando coqueirais

Desfazendo diques

Destruindo casas



Tarde demais para ser verão

Ou mesmo inverno

Tarde demais para qualquer estação



O que era para ser amor buscava sua cura



Como

O sol nasceu quando tirei os olhos das lágrimas

Ou já estava lá?


.

Jairo Lima

            Rimbaud




era uma mulher sem nexo

mas com filhos

de olhos duros vidros

aspeados

por sobrancelhas de pó enegrecido



era um sol deslembrado de sombras

e de mundos amanhecidos

e eu dizia aos seus olhos pequenos e incompassivos

que rimbaud já foi rimbaud

e eu não precisava de pedras nem de vidraças

para escrever um livro

nem de tetas negras ou deserto infame

nem de calvários para purgar meu sangue

ali, naquela hora afastada

eu ouvia sorrindo o seu gemido

e lhe negava o verso que implorava

e, como o dia apaga da noite os vestígios,

eu esmagava, um a um, os acordes que conduziam a lembrança de suas dores

para o olvido



.

Eduardo Cordeiro

             Das-dores




Ó Ceará dos meus bordéis,

ainda vingam suas paixões

em braços alheios.



Ó Das-dores minha pequena puta

sem sombras e medos,

tão magra,

me abraça!




Nem magra

Nem mente

Nem morta

Nem nada




Ela passou (riu)

me lambeu de morte,

e eu nem me vinguei.

Narcizo Bandeira Jr.

             Conclusão de uma história




Complicado? Sim, seria, se os fatos não juntassem.

Pense: desde o primeiro dia, quisestes mais que beijos e abraços.

Como um tolo, não percebia teu ardente e voraz desejo.

Embalado na folia, em roubar-te um simples beijo.

Muito tempo então se passou e o acaso se fez fato.

Você mostrou-me sua verdade, deixando-me então viril e animado.

Sem mais delongas procurei concluir nosso passado.

Loucura foi tamanha a ponto de extrapolarmos,

No vai e vem da melodia, naquele ritmo embalados.

Fato bom, a ambos prazeroso, nem por um momento um pensamento maldoso.

Por certo uma grande aventura, causando-nos excelso gozo.

Delírios de prazer, ardentes como labaredas e suas chamas.

Nem a dor nos fez parar, pois a vontade era gritante e nem a dor a acompanha.

Concluímos um antigo desejo, exaustos sobre aquela cama.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Eduardo Cordeiro

         Enfant Terrible



a cada instante incitava-me

a mostrar minha insônia.

sem saber, queres sentir

o real serviço de teus braços

e seguras impávida

na minha pouca raiva...

no meu pouco desejo...

no meu pouco copo:

do largo prazer do vinho.

a cada hora acorde-me

para as satisfações

que teimo em largar

e perde-te na calma

sem saber que o medo

não é menos cruel que a coragem.

coragem de imensas

                           alegrias,

imersas em felicidades de tempos calmos

que teus olhos entreabrem-se

sem saber dos meus sonhos

                          que não são

                                        muitos.



.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Klycia Mafra

        ABRIL

Abril é a idade da inocência,
 da alegria, da juventude
 é a primavera da vida

abril é mês triste
frio de morte e despedidas
com pétalas negras de sangue

abril mês que nunca se esconde
dias que não se acabam
em horas de escuridão

 abril levou meus sonhos
cobriu meus sentimentos
em minutos de espera

 abril levou meu março
 mês de honra e de Marte
deus da guerra dos antigos

abril nem tem estrelas
não tem nuvens, nem lua
nem o sol se levanta
para aquecer abril

Estou a 30 dias em um buraco
 perdendo meu corpo
e fugindo da minha alma

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jairo Lima

          Eis, em tua alma



eis, em tua alma, a resina dos cedros

daqueles que se abeiram dos rios

e bebem, na esponja da terra, as suas águas vivas



eis o teu legado:

o teu sozinho

e este medo arrumado com cuidado nos vãos dos teus pulmões

e nas caves soterradas dos teus vinhos



eis, no rumorejar do teu sangue,

um silêncio que desliza vazio;

no espelho deste silêncio uma nave extremada a procura de ventos



eis o teu nome posto entre duas madrugadas

hóstia vermelha consagrada

aos mortíferos venenos



que em tu alma

crescem e se espedaçam

entre zunidos



de lentos sóis de prata

quentes, vivos e macios

introduzindo suas vozes em brasa na névoa do teu estio

Leonardo Neves

                                 Crônica do Sertão

No ermo. No sertão há três semanas. Não, não tão ermo assim. Há três anos talvez, na minha última visita. Hoje, com as obras de transposição do rio, chegou a força da grana erguendo e destruindo coisas belas. Gente de diversas regiões trazem a diversidade e a cidade ganha sinais de trânsito e trânsito. O matuto coloca as cadeiras nas calçadas no final do dia, com mesas, freezer e churrasqueira e em toda parte surge um ponto de comércio. As matutas não se deslumbram com os estranhos na cidade, já que são tantos. O sertanejo daqui, em geral, de astuto vai se tornando crítico. Um cabra veio do sudeste onde aprendeu a fazer pizzas com qualidade e aí você já pode comer uma com a massa bem fininha, azeite extra-virgem, ervas frescas, autentico molho de tomate e (aí entra a sofisticada cor local) uma tonelada dos ingredientes correlatos aos seus sabores porque o povo aqui só gosta de comida que fabrique muita merda. O preço ainda está tão módico que todo dia aumenta um pouquinho.

É o cosmopolitismo começando sua Babel.

Estou bem estabelecido. Em solitude e não solidão, com carro, alojamento e triplicando minha remuneração com diárias com as quais tento amenizar as dívidas. É: sou brasileiro mandingueiro/estou aqui pelo dinheiro. Cumprindo minha função de alter-ego de escritor como funcionário público.

Outro dia cometi a aventura de subir até um cruzeiro que tem por trás do departamento; aquele tipo de cisma que a gente toma talvez por um pouco de tédio, exatamente quando devia ficar quietinho até o tédio passar. Fui lá, em pleno pino do sol a pino do sertão às onze da manhã que eu é que não era maluco de acordar de madrugada pra fazer rapel em escadaria. Obviamente não havia vivalma no percurso e se houvesse seria algum maluco saído do filme A Bruxa de Blair. Não lembro de ter me sentido tão cansado em toda minha vida. Dizem que a turma sobe esta montanha pra transar ou fumar maconha. Eu digo que a escalada só serve mesmo pra pagar aquelas promessas bem impossíveis porque por tesão ou vício qualquer um brocha ou entra pros narcóticos anônimos. Bom, mas ali sim, era ermo. Ali o cheiro do vento era morno e pleno de aromas como o era o cheiro do vento da minha infância na casa da minha avó, no agreste. Lá de cima, de um lado, víamos a pólis em expansão; do outro o mundo vasto mundo, lindo, sem rima, sem Raimundo e sem solução. A água da minha garrafinha estava morna e as mutucas queriam esmiuçar minhas narinas e meus ouvidos de modo que nem todo idílio é perfeito. Não havia uma fonte, um copo, uma frase; é assim o ermo do sertão em sua demência árida, anti-poética.

Mas agora e aqui me sinto como quando eu era Antoine Roquetin em Mauville. Sento num restaurante climatizado, bebo conhaque Domecq e cervejas importadas, abro meu notebuque e, conectado à internet, volto a ser um escritor boçal.

E quando eu peço filé, vem filet.

domingo, 6 de junho de 2010

Pietro Wagner

          Requiem tardio para Fernandinho




não sei de onde te observam hoje

todos aqueles que como eu

faltaram em te ver antes do não

que és agora, e talvez ainda antes desse não

quando eras, mínimo, mas tu,

e não fomos te visitar, imprevidentes



ainda que me pergunte de que valeria tal visita

ainda que me impute uma certa

e falsa intransigência com minha falta

ou que me empenhe no lirismo egocêntrico

de te festejar em brindes

como uma forma de ajustar em mim a tua morte

ou antes a minha ausência

e ainda antes disso, o “não fui te ver’

com que me dei conta,

eu que não fui teu amigo no fim,

ainda assim,

acho que posso escrever este poema



ah, imprudente versejador dos bares,

eis o que te dou por lápide de uma amizade

eu que te assustei com minhas bravatas

que repudiei teus rotos versos

– e eles eram mesmo muito ruins –

agora lamento



o não ter ido, o não ter visto

o não ter estado, o não ter sido



requiem aeternam dona eis



a mim e a ti

Neide Travassos

                       O Vento Vivendo na Casa




vento e mar talharam-se no meu corpo

cessar tua estação em mim foi impossível



sorvi o sumo que sopra nos ares a maresia

roubando-te estrelas marinhas para emprestar à noite

siderada no teu céu sem vestes

fiz-me azul têmpora tronco e membro



colhi versos nos teus olhos pousados nos girassóis

violinos deitaram adágio sobre a terra de ti

casa de sementes imersas, lírio e orvalho