sexta-feira, 11 de junho de 2010

Leonardo Neves

                                 Crônica do Sertão

No ermo. No sertão há três semanas. Não, não tão ermo assim. Há três anos talvez, na minha última visita. Hoje, com as obras de transposição do rio, chegou a força da grana erguendo e destruindo coisas belas. Gente de diversas regiões trazem a diversidade e a cidade ganha sinais de trânsito e trânsito. O matuto coloca as cadeiras nas calçadas no final do dia, com mesas, freezer e churrasqueira e em toda parte surge um ponto de comércio. As matutas não se deslumbram com os estranhos na cidade, já que são tantos. O sertanejo daqui, em geral, de astuto vai se tornando crítico. Um cabra veio do sudeste onde aprendeu a fazer pizzas com qualidade e aí você já pode comer uma com a massa bem fininha, azeite extra-virgem, ervas frescas, autentico molho de tomate e (aí entra a sofisticada cor local) uma tonelada dos ingredientes correlatos aos seus sabores porque o povo aqui só gosta de comida que fabrique muita merda. O preço ainda está tão módico que todo dia aumenta um pouquinho.

É o cosmopolitismo começando sua Babel.

Estou bem estabelecido. Em solitude e não solidão, com carro, alojamento e triplicando minha remuneração com diárias com as quais tento amenizar as dívidas. É: sou brasileiro mandingueiro/estou aqui pelo dinheiro. Cumprindo minha função de alter-ego de escritor como funcionário público.

Outro dia cometi a aventura de subir até um cruzeiro que tem por trás do departamento; aquele tipo de cisma que a gente toma talvez por um pouco de tédio, exatamente quando devia ficar quietinho até o tédio passar. Fui lá, em pleno pino do sol a pino do sertão às onze da manhã que eu é que não era maluco de acordar de madrugada pra fazer rapel em escadaria. Obviamente não havia vivalma no percurso e se houvesse seria algum maluco saído do filme A Bruxa de Blair. Não lembro de ter me sentido tão cansado em toda minha vida. Dizem que a turma sobe esta montanha pra transar ou fumar maconha. Eu digo que a escalada só serve mesmo pra pagar aquelas promessas bem impossíveis porque por tesão ou vício qualquer um brocha ou entra pros narcóticos anônimos. Bom, mas ali sim, era ermo. Ali o cheiro do vento era morno e pleno de aromas como o era o cheiro do vento da minha infância na casa da minha avó, no agreste. Lá de cima, de um lado, víamos a pólis em expansão; do outro o mundo vasto mundo, lindo, sem rima, sem Raimundo e sem solução. A água da minha garrafinha estava morna e as mutucas queriam esmiuçar minhas narinas e meus ouvidos de modo que nem todo idílio é perfeito. Não havia uma fonte, um copo, uma frase; é assim o ermo do sertão em sua demência árida, anti-poética.

Mas agora e aqui me sinto como quando eu era Antoine Roquetin em Mauville. Sento num restaurante climatizado, bebo conhaque Domecq e cervejas importadas, abro meu notebuque e, conectado à internet, volto a ser um escritor boçal.

E quando eu peço filé, vem filet.

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