segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Amor por Flávio Minno

Abriram as portas pesadas da casa sob o Vesúvio

e as estátuas dos casais abraçados ornavam o chão,

a nitidez das feições deixava entrever

que o amor não estava sob a ilusão do tempo,

mesmo nas inscrições sentimentais nas paredes

que o tempo decorrido não pôde fazer esquecer.



Em outro lugar, duas majestades egípcias,

sentadas, lada a lado, como se esperassem,

quase entrelaçam as mãos de pedra

num atalho complacente que vence a saudade

e cava a rocha rancorosa e inclemente.

Ó amor imaculado e sólido para a eternidade.



Tu és o filho do recurso, mas também da pobreza,

até os beirais sem fim, diz-me o que desejas?

O que os outros, à regra, acham ser impossível.

E és preservado para dentro das esculturas gregas,

numa jovem Dafne por um deus perseguida

ou uma Galatéia sendo amada num pedestal.



Que os arqueólogos possam descobrir o amor

guardado embaixo das ruínas, nos escombros

sob a mesa posta para a ceia que não deu tempo

ou sobre as artes, depositada a matéria da lembrança

nos submersos das antigas civilizações perdidas,

nas lendas, nas cartas destes vetustos amantes.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Réquiem para Fernandinho Figuerôa por Leonardo Neves

A gargalhada era um grito trincando o gelo das paredes sem portas


Sem janelas



O sono era uma galhofa para colocar mais escuridão na tão solitária noite

Das noitadas



Nunca o riso ou repouso

Pois mesmo se houvesse saída

Ainda

Permaneceria

No beco



Ainda

Permaneceria

No cais

Enquanto o navio partia

Com a biblioteca

Única

Bagagem



Ainda

Permaneceria

No bar do velho mercado

Perambulando nos sebos

Escondendo a verdade pelos cabarés



Ainda permaneceria

Até perder a consciência



Bastardo filho-de-uma-mãe

Quase virgem

Nunca imaginou os caminhos que teria de percorrer

Ou que o grande fela da puta

Terminaria por escrever um Requiem

Um maldito requiem



Para somente então

Sorrir

E dormir

Um sonho improvável por Narcizo Bandeira Jr.

Deste labor que é a vida, nada há de levar. Deixa-se os atos, e amigos a recordar.

Sendo boa ou ruim, uma história ficará. Vida única e cruel, professora dos errantes,

Rigorosa e improvável, como o mar aos aspirantes.

Mesmo triste este labor, nele tem-se um lazer, sonhar não é pecado, torna bonito tal viver.



Um sonho bem composto, é uma estória bem escrita, vejam só um grande sonho, o que tive em minha vida...

Vida simples e perfeita, excelência num viver, tal harmonia de sentimentos, a muito não se vê.

Que a maldade, a soberba, não existissem em ninguém, tal sonho é de outrora, e só num sonho que se tem.

Deus num todo é perfeito, porém os homens traiçoeiros, fazem o mal a seu irmão, muitas vezes por dinheiro.



Que os deixam por viver, nada mais que uma jornada, Jornada essa de mentiras, ilusões inacabadas.

Nesta vida de ardor, onde roubam meu viver, Sacrifico minha vida, tentando ao próximo entender.

Prefiro assim seguir, e não renegar ao mais complexo e profundo, e aos poucos entender, o desespero deste mundo.

Viver um sonho é complicado, são duas histórias a escrever, nelas leva-se duas formas de agir em seu viver.

O infinito é o limite para o teu sonho atracar, nem um tolo viveria uma vida, sem ter um sonho pra sonhar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A Nau dos Loucos por Flávio Minno

O jardim das delícias está outra vez aberto

ao balouçar do barco e ao cantar do aedo,

talvez rumando para Bizâncio em segredo

ou em busca da Lemúria chegar perto.



Cada árvore dá o fruto que é certo,

da nossa aqui brota a carne de animais

a ave já dourada do fogo da planta sai

sem que nenhum de nós mostre desconcerto.



O padre que integra a nossa tripulação

aesta o canto na tábua provida da proa

E para nós é bom o vinho e a vida muito boa.



O alaúde do aedo anima o ritmo da canção,

e todos nós, que somos heróis e vagabundos,

levaremos para frente a alegria do mundo.

dia de todos os dias por Pietro Wagner

(manhã

e tudo e a terra, nas horas nas pedras,

manhã

na mão o pouco de sol que o dia traz

manhã

e fora da casa um vento que leva

manhã

aos olhos que todos os dias saem)



levavas pela manhã, inteira braços,

o pássaro de plumas de mormaço

que teus olhos viam nos dias calmos

voando acima das nuvens de outubro



e com ele numa alegria branca

que em torno de ti respirava

folhas, tantas folhas, dançavam

que as casas encheram-se de olhos



e as portas deram caminho aos passos

e os passos foram a manhã da estrada

que sem cuidados recebia a sombra

das folhas, no dia em que todo o vento

soprava-te dálias pelo tempo



e em tudo havia um certo rumor ou euforia

como se as mãos, esquecidas dos templos,

levadas ao ar, que as aquecia,

espelhassem a lâmina de luz macia

que o sol fazia chegar à estrada

e a estrada ao dia

para que todas as casas e as vigas

olhassem, olhassem

a dança das folhas e do vento

para que todos os olhos

dançassem, dançassem

nas voltas e voltas que o vento fazia

e em torno de ti, numa alegria,

o branco e o dia saíam

a dizer pelo mundo

que uma parte terrestre do sol

fez aquela manhã com um fio do mármore estelar

que as alegrias levam quando amanhecem

a dizer pelo mundo

que tu, parte de sol, parte de vento,

sorriste ao dia

e ele devolveu-te um aceno

quando amanhece por Pietro Wagner

acordada pelo sol uma ave olha o dia aumentar as casas

as asas abrindo sombreia a pedra onde pousou o seu cansaço

pisa a pedra, olha o dia, contrai as garras,

e num abraço pássaro vê a terra despegar-se de seus passos



ave que é, leva nas asas a razão das nuvens

e o sentido da pedra nas garras

mas os olhos, os olhos os têm para que a terra

esteja azul abaixo, azul e esfera



não é mais que ave

mas esta ave vê a sombra do dia

cortar os vales e as vias

e, cheia de sol, vê os panos,

que a noite guardou na umidade,

embranquecer os varais



vê também o último frio fugir da noite

indo fazer acesos os fornos da manhã

para que se aqueça o pão e a mão que o consome



espera pelas janelas quando se abrem

porque abrem-se com elas sons e gente

espera pelas janelas para que delas voe

do último sono o primeiro perfume



e tudo vê a ave no seu vôo amanhecido

vê os sinos chamarem as orações

vê o dia estender os abraços

vê as mesas balançarem os pratos

vê, e quando vê, um sim imenso

diz que o dia vai com ela pelo espaço

I por Rogério Mendes

Intelectuais de neve

Covardes que brilham

E derretem diante do sol

Dos olhos de quem simplesmente ama



Assim, desama, desanda

O que não se intelectualiza

Porque desliza o que

Os sentidos não captam



Ingenuidade profana

Dos que pensam ser

Acima de tudo

O que gostariam que fosse

as águas psíquicas por Delmo Montenegro

não há nada de concreto aqui

nos espirais da fala

nada de cataclismos inoperantes

nada nesta massa dodecafônica

nesta casa de vespas

apenas uma combustão de signos sagitários

um vinho de abstração e letargia

entre sóis de espátulas e músculos decompostos

entre os sóis de algoritmos

eis a nova casa dissonante

o séqüito das chuvas polissêmicas sobre o corpo

as musculaturas dementes

a taquicardia nas camisas de esperança

nos mares adultos contidos nesta prisão



não há nada de concreto aqui

nas paredes angulosas desta representação

nada de cataclismos inoperantes

apenas a expiação dócil dos nervos

apenas este mel dos clavicórdios

esta fala de arritmias



esta flor fabricada

esta flor de maceração líquida

porém há algo

contudo há algo de inóspito nos frutos sonoros

na carne da tua derrisão

há algo na engenharia das peles fibráceas

os pequenos escândalos

as orquestras do azimute

as plurificações dos equinócios

as assinaturas volantes


as vespas incontidas na descarnação dos discursos




há algo na engenharia dos angiospermos



não há nada de concreto aqui

assim ensina a toxicologia das falas

assim ensina a educação inoperante dos cataclismos

os verbos dos heliantos

não há nada nesta massa sonante de sortilégios

a não ser a tauromaquia da servidão

a tauromaquia dos labirintos



o sol febril das cadências



a marcha ossiânica

o branco agônico da decantação lírica

o teatro das vespas



não há nada de concreto aqui

palavras que debutam por Gustavo Pedrosa

não se escrevem com letras maiúsculas

sejam frondosas ou finas¬ _

Nem prescindem de um olhar suspicaz




palavras que disputam

precisam deitar de borco

e consumar o coito anal

sem geléia ou confete



palavras putas

precisam ser proscritas e prescritas



apodrecer numa prisão purulenta

de páginas e traças parnasianas



palavras que debutam

são virgens e molhadinhas

de um viço semântico desmedido

O Revisitado por Eduardo Cordeiro

Eu sou belo, ó mortais!

Belo como uma flor maldita

que peca em resvalios.




Como o quebrar da noite

após um longo dorso.

És certo,

digo apenas;




Belo como a brancura

do silêncio dos covardes,

assim como dizem meus irmãos.




Belo como a mulher incorpórea

cujo corpo eu mentia

e me fazia rimar.

Poema Grego por Fernando Figuêroa

Difícil aprendizagem

Vida – curta disputa

Enquanto a morte em festejos

Vestida de trajes de sacanagens

Não vem nos visitar

Vamos arrendar um bar

E beber cicuta

Jogar pedras nas lâmpadas

Do Mito da Gruta



Agora no Ágora a água no bar

Despenca em líquido furta cor

Ou a cor que se furta

No programa da jovem puta

Que escreve nas ruas

Mas ninguém lê ou escuta



A virtude estava nos gregos e seus segredos

Que amavam a vida não seu apego

Porra nenhuma!!

São todos filhos do medo

Os gregos não estavam certos de viverem

Entre o vinho, os deuses e os perigos

Certo estou eu que rio, choro e bebo

Acompanhado maravilhosamente

Pelos amigos de degredo

Apologia das Garaffas por Leonardo Neves

O uísque me ilumina vida afora

Abre a estrada onde a sabedoria arde

E aflora o sentido da música e da poesia



A cerveja passa o tempo com calma

Torna possível a paisagem dos bares

Celebrando de amargo o doce enjoado dos lares



O conhaque é a glória

Goles de fogo na bojuda taça da virtude

Nos sagra cavalheiros



A vodka traz de volta Maiakowski

E sua receita para a morte

O vinho é o requinte da loucura

A cachaça o motivo das frutas



Um ou dois licores rebaterão o banquete

O Martini, o campari e o vermute enfeitarão o bar

Ou serão servidos na piscina em campanhas publicitárias



Depois da bebedeira os homens serão mais homens

E as mulheres taradas!



Eis minhas garrafas!

Comoção de minha vida!

A embarcação por Flávio Minno

Do mar paira a assombrosa manta,

mas não há mar que intimide este canto,

antes isto, Tifis, que um túmulo de terra

daqueles que nunca navegaram.



É preciso, para o mar alto,

de Argos, um denodado barco,

para a água imensa e desconhecida,

a esperança e a descoberta.



Assim, há de termos audácia

para irmos no encalço da essência,

navegar sempre será necessário,

e viver sempre conveniência.



Invoquemos todas as filosofias

para nosso longo passo ao porto,

hoje buscaremos, festejadores

da taça e também da ostraria.